Cachorro velho 4ic1q
Na semana em que tomei conhecimento da nova geração de malucos, os pais de bebê reborn, me lembrei de uma linda história, de um casal idoso, sem filhos, que é uma espécie de precursor do que hoje se conhece como “pais de pets”.
A Jussara e o Elicério
Antigos clientes, amigos de longa data, nos conhecemos quando tinha o escritório de contabilidade, na primeira década deste século. Nossa relação começou por conta do imposto de renda, o que nos proporcionou, desde 2009, um encontro a cada ano. Para além do acerto de contas com o Leão, nasceu uma bela amizade. E já naquele tempo, quando fazia as tradicionais perguntas de contador, o Seu Elicério me dizia que não tinha dependentes a deduzir, apenas uma cachorrinha, que na época já tinha oito anos.
Idosos
Os anos aram. Segui assessorando os amigos com o imposto de renda, tarefa que ainda mantenho, hoje de forma virtual. Já sem o escritório, ei a frequentar o lar do casal. Foi quando gravei na memória a segunda pérola, ao ouvir a Sra. Jussara me dizer: “aqui, até o cachorro é idoso”. Até prometi que utilizaria esta frase numa crónica, mas não foi possível. Pelo menos até ontem, quando mais uma vez nos encontramos para fazer a declaração do imposto de renda.
Renião anual
Tudo pronto para o novo encontro, agora virtual. Porém, como a amizade é maior que o trabalho, sempre começamos a reunião falando da vida, nos atualizando. É interessante como de um ano para outro criamos certas novidades. Colecionamos, alegrias e tristezas. Foi assim quando a Dona Jussara perdeu a irmã, foi assim quando anunciei o nascimento do meu terceiro filho, Vicente, e quando disse que mudaria para Portugal. Eles sabem bem da minha vida. Nesses mais de quinze anos de amizade e trabalho, colecionamos histórias, memórias e sobretudo afeto. Muito afeto. O sentimento que sempre me obrigou a perguntar: e a cachorrinha?
Companheira
Este ano, quando perguntei da cachorrinha, meus amigos me mostraram um pequeno adereço. Um cãozinho, inanimado. Uma objeto onde aram a guardar as cinzas daquela que acompanhou o casal por vinte e quatro anos. Isso mesmo, uma cadelinha que durou um quarto de século! Para minha sorte, a tristeza e o luto já pareciam dar lugar a novas alegrias. Foi quando disse a eles que escreveria esta história, em homenagem ao amor do homem pelos animais. Do olhar de quem já muito viveu, guardei a esperança de um amante da vida, que me disse, do alto dos seus oitenta e quatro anos: “estou pensando em adotar um cachorro velho. Desses que ninguém quer. Na minha idade, não posso me comprometer com um cão que viva mais vinte e quatro anos”. Vivendo e aprendendo, até onde o amor alcança.