Calar é oprimir 4z6t2u
No último domingo de Páscoa fui até Sevilha. Um eio em família para aproveitar o bom tempo depois de tantos dias de chuva. Os espanhóis cultuam tradições religiosas que os portugueses já parecem ter abandonado. Por onde andei, muitas procissões e muita celebração. Notava-se perfeitamente a presença dos moradores, elegantemente vestidos, dividindo o espaço com milhares de turistas.
Festividades
Nesta época do ano, quem pode, viaja. Até descobri que na Espanha também há grandes engarrafamentos no trânsito. Me senti na Freeway. Sevilha estava lotada, de fiéis e de turistas. Tudo com muito respeito, convivendo em harmonia. Tolerância e partilha. Talvez as palavras que tão bem combinam com a Páscoa. Entre católicos e outros crentes havia algo intrínseco que viria unir a todos, mas que só saberíamos na manhã seguinte. Terminado aquele alegre domingo de Páscoa, a notícia do descanso do Papa Francisco foi então anunciada.
Religião e política
Embora sejam países vizinhos, Portugal e Espanha lidam de maneira diferente quando se trata de falar de religião com política. Em ambos os países, a Igreja Católica apoiou as ditaduras de Salazar e Franco. Ressalvadas as particularidades de cada regime, a Igreja manteve-se aliada das barbáries que eram cometidas, como nos tempos do Império Romano, depois que resolveram se tornar cristãos. Até bem pouco tempo, eram raros os que se arriscavam a falar da Igreja. Foi preciso vir alguém com coragem para que estas vozes fossem ouvidas, com amor.
Com o ar do tempo
ados esses anos mais difíceis, conhecemos o Papa Francisco. Argentino, despojado, criativo e bem humorado. Crítico, muitas vezes assertivo, Jorge Mario Bergoglio surgiu de maneira quase inesperada após a renúncia do conservador Bento XVI. Francisco, como preferiu ser denominado, sem numerais, deu nova vida à Igreja, quebrou tabus, aproximou fiéis e, sem medo, promoveu a paz e o equilíbrio. Até nos assuntos políticos soube se posicionar, sem que para tal invadisse o campo de seus adversários.
A renúncia
É de ser louvada a postura do conservador Joseph Ratzinger. A iniciativa de abdicar do poder e dar agem a alguém totalmente diferente foi algo muito importante para a humanidade e transformador para a Igreja Católica. Por mais que Francisco tenha sido eleito entre os pares, foi a renúncia de Bento XVI que abriu o caminho para ascenção de Bergoglio. E se Bento XVI não conseguiu quebrar os próprios paradigmas, soube indicar alguém que pudesse dar nova vida à Igreja. Prova de que o ser humano sempre tem a chance de mudar.
O grande Papa
Por mais que o catolicismo viva momentos de desconexão, seja em Portugal ou em qualquer outro país, Francisco foi um líder que soube dar voz aos cristãos, especialmente aos que não seguiam as antigas cartilhas. O grande Papa, como muitos hão de lembrar, poderia ter ficado quieto mas nunca escolheu o silêncio quando os ruídos da modernidade lhe exigiam posicionamento. Francisco enfrentou a verdade, quebrou paradigmas, quiçá respaldado pelo antecessor. Deixa um grande legado e um belo exemplo de como podemos ser quando envelhecermos.
Futuro
Há muito trabalho a ser feito além das fronteiras da Igreja e da fé. O novo Papa terá diante de si um rebanho de fiéis que se acostumou com o acolhimento humano e o bom humor de Francisco. Queiramos todos que a fumaça branca seja também um sinal de paz entre os homens, conservadores e progressistas. Não podemos ficar inertes à espera de um milagre. Se não temos paz, é porque precisamos construir as condições de paz. As tais pontes que Francisco nos falava. Que possamos seguir o bom exemplo de Francisco, pois calar é oprimir e esse tempo já ou.