Os distúrbios gastrointestinais são uma das principais causas de preocupação entre pais e cuidadores de bebês e crianças pequenas. Cólicas, refluxo, constipação e alergias alimentares estão entre as queixas mais frequentes nos consultórios pediátricos. Embora, na maioria dos casos, tratem-se de condições benignas e transitórias, é essencial reconhecer os sinais que demandam atenção médica e evitar intervenções desnecessárias.
Refluxo: o que é normal e o que exige atenção?
“O refluxo fisiológico é comum nos primeiros meses de vida, sendo que até 70% dos bebês até os 4 meses terão episódios”, afirma a médica gastropediatra Dra. Tamiris Mônica Betineli. Esses casos ocorrem em bebês que mamam bem, ganham peso e não apresentam desconforto. "Não é necessário medicações, pois esses episódios tendem a melhorar com o crescimento da criança".
Já a Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) é diferente: há desconforto, choro durante as mamadas, recusa alimentar ou baixo ganho de peso. “Nessa situação, é ideal que o bebê seja avaliado para diagnóstico correto e instituição de tratamento, muitas vezes com medidas conservadoras, que podem ser associadas a mudanças na dieta ou uso de medicações”.
APLV: o desafio do diagnóstico correto
A alergia à proteína do leite de vaca (APLV) é a principal alergia alimentar nos dois primeiros anos de vida, afetando cerca de 3% dos bebês. No entanto, o risco de diagnósticos equivocados é alto. “Distúrbios funcionais como cólicas e refluxo podem ser confundidos com APLV”, alerta a médica. “Na dúvida, a avaliação com profissional capacitado é importante antes de iniciar dietas de exclusão, pois dietas desnecessárias impactam o crescimento e desenvolvimento dos bebês”.
Constipação intestinal: quando se trata em casa e quando investigar?
A constipação intestinal funcional é outra queixa recorrente. Medidas simples em casa podem ajudar: evitar alimentos ultraprocessados, incentivar frutas, legumes e água, e reduzir o excesso de leite. “Nas crianças maiores de 2 anos, o ideal é não ultraar 500 ml de leite por dia”, recomenda Dra. Tamiris. A prática de atividades físicas também deve ser estimulada.
Contudo, alguns sinais indicam a necessidade de investigação: atraso na eliminação do mecônio, dor abdominal persistente, vômitos, sangramentos, infecções urinárias recorrentes e baixo ganho de peso.
Dor abdominal: funcional ou algo mais grave?
“A dor abdominal é uma queixa comum na pediatria, tanto nos atendimentos de emergência quanto nos consultórios”, diz a médica. A maioria dos casos é funcional, mas sinais como dor que acorda a criança à noite, perda de peso, febre, diarreia e sangramentos podem indicar causas orgânicas e devem ser investigados.
Risco de medicalização: quando menos é mais
“O tratamento medicamentoso tem indicações específicas, e deve ter um planejamento de tempo”, frisa a especialista. No refluxo, por exemplo, medidas comportamentais são prioridade. Já na constipação leve, mudanças no estilo de vida geralmente bastam. “Nos casos mais graves, os medicamentos são úteis, mas sempre com reavaliação constante”.
Consensos atuais no manejo conservador
Durante o Congresso Gaúcho de Atualização em Pediatria, destacaram-se avanços importantes no manejo conservador dos distúrbios gastrointestinais. “Foi enfatizado que muitos desses problemas são autolimitados e podem ser controlados com abordagens conservadoras, evitando tratamentos invasivos”, pontua a Dra. Tamiris. No caso da APLV, por exemplo, não há evidências que justifiquem restrições alimentares em gestantes e lactantes como forma de prevenção.
Identificar corretamente o tipo de distúrbio gastrointestinal e evitar intervenções desnecessárias são os essenciais para garantir a saúde e o bem-estar das crianças. O acompanhamento com profissionais capacitados é fundamental para um diagnóstico preciso e um tratamento seguro. Como reforça a Dra. Tamiris, “menos pode ser mais, desde que com cautela e conhecimento”.