Esses dias, de agem por Erechim, visitei a redação do jornal e, como um calouro, fui recebido pelos colegas que lá trabalham. Um deles, em especial, foi propositivo. Me pediu para que escrevesse sobre a ética e me lançou uma sugestão: escrever sobre ética e cinismo. Como sempre gostei de desafios, topei na hora e aqui estou.
Quando a gente é jovem, tudo o que nos dispomos a fazer é novidade, é desafio. Comigo não era diferente. Eu adorava quando alguém me pedia algo aparentemente difícil ou simplesmente dizia: isso não vai dar certo. Este sempre foi o combustível para minha superação. Agora, já no caminho sem volta da maturidade, dificilmente me vejo diante de desafios. Por isso, aquela visita ao jornal me trouxe um ar de juventude e me vi, novamente, respirando algo novo em minha vida. Vamos à pesquisa.
No princípio
Antes de mais nada, é importante conceituar. Cinismo é um termo grego, mas sua grafia vem do latim cynismus. O radical da palavra é cino, o mesmo que representa o cachorro, como em cinofilia, que significa amor aos cães. Do tempo antigo aos atuais, o termo ganhou outras conotações e foi, de certa forma, perdendo o brilho. Mas no princípio, o cinismo era uma corrente filosófica liderada por Antisthenes, que viveu há alguns séculos antes de Cristo. Seu pensamento era centrado na ideia de que o homem deveria levar sua existência livre do materialismo e de superficialidades, devendo concentrar suas energias em valorizar as necessidades básicas em torno da autossuficiência, o que forçava o senso comum da época a comparar-lhe a um cachorro. Atual, não?
Na atualidade
Hoje, porém, o que se conhece sobre cinismo é uma derivação do sentido original, levando-o para o lado pejorativo vez que representa o desprezo pelas normas sociais ou pela moral estabelecida, um certo atrevimento, descaramento ou despudor. Muito parecido com o comportamento canino sim, mas apenas aquele considerado indesejado. Afinal, o cachorro faz suas necessidades sem pudor. Boceja com maestria na frente de todos. Lambe suas partes pudendas e não sabe se tua camisa é Hilfiger ou se o teu vinho recebeu prêmios em Bruxelas. Ele não repara nessas futilidades que muitos correm atrás. Ele gosta é de você e não de quem você representa. Mas na atualidade, conhecemos por cínico, aquele que diz: que bonitinho esse teu cachorrinho, quando a pessoa em verdade não a teu animal de estimação. Ironia.
E a ética?
A ética é a área da filosofia dedicada à forma como ocorrem as ações relativas ao comportamento humano, uma espécie de filosofia moral. Enquanto a ética é universal, a moral está sempre ligada aos fatores sociais e culturais que influenciam os comportamentos. Em resumo, é uma espécie de “fonte dos valores”. Princípios que orientam as ações humanas, enquanto a moral está mais relacionada às regras de conduta.
Cinismo e ética
Considerando que a ética é o conjunto de princípios de uma sociedade, podemos dizer que cinismo e ética andam juntos. Daí, percebemos porque que o conceito de cínico pode ser visto sob dois ângulos. O primeiro, mais filosófico, como princípio ou estilo de vida, em que as pessoas prezam por uma vida mais despojada, desinteressada do aspecto material, abstraindo-se das futilidades da vida. Com efeito, se transforma em outro, pois quem adota esse tipo de vida costuma ser visto pelos materialistas como comportamento indesejado, antissocial, que é justamente o conceito na forma pejorativa. São pessoas rotuladas como cínicas, por serem atrevidas em levar uma vida que de certa forma desmascara o materialismo e a futilidade. Logo, se você é, autêntico e despojado, pode se considerar cínico e ético, no mais belo sentido das palavras.
Os homens e seus pets
Diante de todos esses pensamentos filosóficos, o maior barato mesmo, é reparar no comportamento humano. E o que observamos hoje em dia? Pets! Animais de estimação. Não raro os vemos em companhia de pessoas aparentemente materialistas e fúteis, como naquele estereótipo da madame que leva seu cachorrinho perfumado para o shopping. Tudo ilusão. Em verdade, os pets representam muito mais do que o cinismo dessas pessoas. São uma forma antropológica de demonstrar que os humanos amam os animais e que iram o comportamento desinteressado desses adoráveis bichos. Talvez por conta da moral, status e do que entendem por ética, veem nos pets uma forma de se harmonizar com tudo isso. E essa necessidade de harmonia chega ao ponto de as pessoas chamarem e tratarem seus pets como filhos. Eis aí, mais uma função para o jornal de ontem. Quem tem pet, sabe.