— E aí, Clóvis, meu ilustre Conselheiro, você viu o meu discurso na abertura da convenção? O que achou? Rapaz, eu parecia o Kennedy misturado com o Mandela e um toque de Steve Jobs, né? Até a iluminação ajudou, aquela música de fundo, show, até fingi que chorei pra impressionar. O pessoal do marketing é foda pra preparar essas coisas, né?
— Vi, sim. De fato, emocionante. Só não sei se era uma convenção ou o lançamento da nova temporada de promessas. Então, me diga, depois do discurso, o que mudou?
— Ãhhhhhhhh. Bom. Ainda é cedo pra dizer, mas a ideia é “começar a virar a chave”, sabe?
— Sei. E quando você disse que “as pessoas são o centro de tudo”? Já combinou isso com o RH, que está há três meses esperando a aprovação do programa básico de treinamento da liderança?
— Bem. Ainda não, mas a intenção é boa! Estamos arrancando.
— Intenção boa tipo dieta de segunda-feira: funciona até o café da manhã. Cara, na boa, tem muito discurso vazio. Só na resenha não vamos resolver o semestre, nem o ano. Discurso diferente da prática é hipocrisia.
— (Riso nervoso) Mas, Clóvis, o importante é inspirar, tocar corações.
— Tocar corações? Com PowerPoint e promessas recicladas? Me diga: das cinco grandes promessas da última convenção, quantas saíram do papel?
— (Suspiro) Nenhuma. Ainda. Mas este ano vai ser diferente.
— Claro, claro. E o coelho vai sair da cartola, voar pela sala, bater ponto na fábrica e garantir o mercado
— Você tá sendo cético demais. Tem que acreditar. Dê um voto de confiança.
— Mas é claro que eu acredito! Acredito que discurso bonito sem coerência na prática vira stand-up corporativo. E o pessoal da operação já nem ri mais, só levanta a sobrancelha e segue o baile.
— Mas o que fazer, então?
— Simples: menos frases de efeito e mais efeito das frases. Discursos não mudam empresas, atuação coerente, sim. Diga menos e faça mais. Fale o que vai fazer e, depois, mostre que fez. E só prometa se entregou o carnê anterior.
— Você devia entrar comigo no palco da próxima convenção.
— Não, obrigado. Já fiz muito disso. Aqui prefiro o backstage. É aqui que a verdade vive, mesmo quando o microfone está desligado.