Com forte influência da cultura africana, grupo de rap aposta em letras que abordam a realidade da periferia e críticas ao sistema z3t33
A palavra griô designa os contadores de histórias, genealogistas, mediadores políticos, contadores, cantores e poetas populares de alguns países africanos. Considerados ‘bibliotecas vivas’ da tradição oral de vários povos, os griôs são os responsáveis por guardar e transmitir as tradições, o folclore e os costumes através da oralidade, viajando de aldeia em aldeia, levando consigo a história de seu povo. Não à toa, “Griôs” também denomina o projeto musical de rap de Deivisom Camargo e Lilian Yasmin. O nome faz a ligação com o mestre de cerimônia (MC) do hip hop que também leva as verdades e os relatos do seu povo de “quebrada em quebrada”; além de ser uma forma de homenagear a cultura africana, da qual ambos têm grande identificação.
A dupla, juntamente com um projeto que envolve banda, participa de eventos locais e regionais, levando em suas letras reflexões sociais e percepções da vivência principalmente da periferia. Embora Griôs tenha surgido em meados de 2012, a história dos dois na música é muito anterior. “Eu comecei escrevendo ainda na adolescência. Fazia rap a partir das minhas vivências. Hoje em dia sigo fazendo, mas de maneira diferente, com uma visão muito mais ampla e aprofundada”, relata Deivisom, mais conhecido como Mussumano, destacando que sua música amadureceu com o tempo.
Se para ele o rap sempre foi prioridade musical, para Yasmin a entrada neste meio foi por acaso. “Sempre gostei de cantar, mas minhas preferências eram samba e MPB. Um certo dia resolvi acompanhar o Deivisom em um refrão e quando vimos o resultado pensamos ‘poxa, ficou legal’, e então comecei a participar mais e mais. Hoje me sinto à vontade para cantar junto com ele e colocar a minha características nas músicas”, conta.
Cultura das ruas
Os músicos destacam que a principal característica do rap (da sigla Rhythm and Poetry – ritmo e poesia) é ser a voz das ruas. “É uma forma de trazer as verdades específicas da cultura das ruas, das pessoas da periferia. Em geral são músicas escritas a partir das nossas vivências, da nossa maneira de sobreviver ao sistema. Elas retratam os desafios do dia a dia, a batalha de sobreviver com a desigualdade social, tudo isto permeado com as nossas convicções sobre os fatos e a forma como vemos estratégias para mudanças. É assim que somos, de certa forma, a voz de quem nem sempre tem espaço”, explica Deivisom.
Com influência da cultura africana, o trabalho do Griôs realiza também um resgate dos negros no cenário sul rio-grandense. “Fizemos muitas ligações da cultura africana com o nosso meio, como a analogia da favela ao quilombo. É um trabalho voltado ao afro-brasileiro, além de resgatar o papel do negro na história gaúcha, que é sempre invisibilizado. Falamos dos lanceiros negros, por exemplo, que têm sua história pouco conhecida. Com isso nossa música é uma forma de resistência”, ressalta.
Preconceitos e estigmas sociais
Os músicos relatam ainda os preconceitos que sofrem por representarem a cultura da periferia e a falta de apoio em iniciativas culturais. “Não somos bem vistos quando nos reunimos, sofremos até perseguições, como se não quisessem que mostremos nossa cultura e nossa voz. Temos muitos problemas também em conseguir apoio em nossas manifestações culturais, e isto, acreditamos que é reflexo de nossa condição social e dos problemas que apontamos em nossas músicas”, destaca Deivisom.
No enfrentamento destes problemas, os músicos ressaltam que uma das alternativas foi a criação de uma associação que engloba todas as manifestações de arte urbana, desde músicos, até grafiteiros. “Percebemos que precisávamos nos unir para ter mais força e então criamos uma associação, na qual discutimos e organizamos eventos e buscamos formas de garantir nosso espaço”, explica Yasmin.
De coadjuvante a protagonista
Embora seja um dos pilares do Griôs, Lilian Yasmin afirma que seu caso é exceção no mundo do rap. “A mulher vem conquistando aos poucos seu espaço em áreas que eram essencialmente dominadas pelos homens. Mas ainda é um desafio conseguir este espaço, pois são poucas as que chegam lá”, avalia. Seu companheiro, Deivisom, relata que mesmo no Griôs, muitas vezes, Yasmin a despercebida. “Quanto postamos algum trabalho novo nas redes sociais, por exemplo, às vezes as pessoas vêm parabenizar pelo meu trabalho, esquecendo que o dela é tão importante quanto”, lamenta.
Primeiro Clipe – Robotização
Recentemente, Griôs lançou seu primeiro clipe, ‘Robotização’, produzido pela D’lua produções. A música critica o domínio mental imposto pela mídia e aborda a resistência que as pessoas mantem perante a hipnose do sistema.
O clipe conta com a participação de várias militâncias do skate, da bile, da música, do basquete e do hip hop gaúcho e catarinense. Gravado junto com a banda do Griôs, que conta, além de Yasmin e Mussumano, com César Ferreira, no violão; Lucas Villar, Elison Veneral, Alex Fabiano e Maurício Fortes na percussão e Dyenitton Franzmann no violoncelo; o clipe pode ser visualizado no canal do Griôs no Youtube.