O homem é o homem e suas circunstâncias, disse José Ortega y Gasset, um dos pensadores mais queridos da Espanha da primeira metade do século XX. De acordo com o madrilenho, todas as coisas e a realidade, estão em permanente processo de mudança. Por essas e outras, a vida do início ao fim configura um completo e complexo aprendizado, não sendo possível chegar-se ao entendimento socrático (conhece-te a ti mesmo), se não houver a plena e perfeita capacidade de percepção de tempo, lugar, função e modo de existir.
A pandemia, que ora arrefece e parece se distanciar no horizonte, impactou a todos de um jeito ou outro; alterou, indubitavelmente, a cada um de nós – e nossas circunstâncias.
Enfrentamos diferentes e dolorosos embates, individuais, profissionais e coletivos.
Experimentamos mais tristezas que alegrias e, muitas vezes, mais desespero que conforto.
O vírus levou para sempre amigos, colegas, pessoas queridas.
Mas, também vimos girar a roda da existência, e terminamos por entender que a vida prevalece.
A prevalência da vida acontece pela força dos que – apesar de tudo e todos – seguem acreditando no amor, compartilhando bons sentimentos e cuidando bem do próximo.
Por tudo isso, saúdo, reverencio e agradeço aos colegas médicos e demais profissionais da saúde, heróis de batalhas diárias, que finalmente venceram a guerra da vida contra a morte.
A vida também prevalece com o nascimento.
Particularmente, depois de participar como pediatra com quarenta anos de atuação em milhares de partos, vivi um nascimento particularmente especial durante a pandemia.
Virei avô.
Meu primeiro neto, Domênico – filho de minha filha, Lívia, e do marido médico, Alexandre – chegou ao mundo cheio de alegria e saúde. Nele – no Nico – me senti renascer, me vi e me reencontrei com o início. Pegá-lo no colo foi como tocar um fiozinho da eternidade.
Foi ao tocar o meu netinho que entendi mais profundamente o que ensinou Buda: Em nossas vidas, a mudança é inevitável. A perda é inevitável. A felicidade reside na nossa adaptabilidade em sobreviver a tudo de ruim – inclusive mais esse ano de pandemia.
Por fim, volto a Ortega y Gasset, que também disse:
“Civilização é, antes de mais nada, vontade de convivência”.
Que saibamos, e queiramos, conviver, de acordo com as condições do nosso tempo, do nosso lugar e do modo de existir. Que tenhamos vontade de cooperar, suprir, plantar boas sementes e germinar. Darmo-nos as mãos, nem que seja para sentirmos, em nós e no próximo, a força da eternidade que transita por um bendito fio humano e invisível.
Deixo ao meu neto e às gerações vindouras uma frase linda de Shakespeare: “Os covardes morrem várias vezes antes da sua morte, mas o homem corajoso experimenta a morte apenas uma vez” – para renascer e vencer novamente –, acrescento eu às palavras do bardo.
PS. Às vezes o silêncio é a maior homenagem. Deixo registrada a minha lealdade e gratidão ao querido amigo Nilso Zaffari, que nos deixou há poucos dias.
Médico,
Membro da Academia Erechinense de Letras,
Vice-presidente da A.A. da Biblioteca Pública do RS.