Eis aí novos termos da moda: lacrar e lacradores! E nesse nosso bioma de amor e ódio, o termo também acabou sendo utilizado de forma polarizada, o que também é tendência. Serve tanto para definir uma situação, quanto outra, em sentido oposto. Neste contexto, quando alguém “lacra” alguma coisa, significa que mandou bem, que definiu, que foi conclusivo. No sentido irônico, também pode ser visto como a atitude exagerada em relação a determinado fato, como o remédio que vira veneno. Mas o que vou escrever, não é sobre linguagem, é sobre julgamento, envolvendo o áudio de uma coordenadora de uma rede de farmácias que virou caso de polícia e o comentário de um jogador de vôlei, a respeito da nova geração do super-homem bissexual.
O áudio da rede de farmácias
Pelo que se compreende do áudio, ninguém duvida de que há sim, conteúdo indesejado. O que preocupa, todavia, é o desdobramento dessa história. E, num efeito manada, saem todos a combater o sintoma (no caso, o áudio) e ninguém discute a causa. Ora, alguém já parou para pensar no que levou a coordenadora da farmácia a dar aquela orientação aos seus colegas? Há muitas coisas envolvidas. História, milhares de empregos, uma empresa construída com sacrifício. Será que a contratação de pessoas com o perfil tido como indesejado pela recrutadora impacta ou não os negócios daquela empresa? Se você tivesse comprometimento com os resultados da sua empresa, qual candidato você escolheria? Com ou sem tatuagem? O obeso mórbido ou o “saradinho”? Quem aparenta ter mais saúde para trabalhar numa farmácia? Gente, são muitos os questionamentos que se pode fazer. Por isso o julgamento lacrador é delicado. A coordenadora não perdeu só o emprego. Ganhou um inquérito policial E a empresa?
O super-homem bissexual
Quase que na mesma esteira, outro escândalo envolvendo o preconceito custou a carreira do jogador de vôlei Mauricio Souza, pelos comentários de caráter homofóbico que fez em rede social. Segundo consta, não foi só um fato, mas seu julgamento foi sumário. Da noite para o dia, ficou sem time, não será convocado para seleção brasileira e provavelmente terá sua carreira encerrada. Sem contraditório. Por mais que possa parecer desnecessário, não é. Assunto lacrado! Mesmo assim, me questiono: porque razões bradou o jogador contra esses fenômenos da modernidade? Teria ele direito de se expressar dessa forma? Que motivos o levaram a fazer o que fez? São muitos questionamentos que precedem os tais julgamentos.
Julgamento
Por óbvio, não quero aqui levantar bandeiras, nem tampouco enfraquecer causas nobres, que envolvem a igualdade de direitos duramente conquistados. Já escrevi nesta coluna, que no futuro seremos todos LGBT (maio 2021). Contudo, por mais que tenham cometidos erros, por mais que possam ser considerados atos criminosos do ponto de vista legal, não posso deixar de registrar que a forma como essas pessoas são julgadas, de fato me desagradam. Será que alguém irá se insurgir contra as cortes de justiça desse país? Eu desconheço alguém que seja obeso, tatuado, use piercing, seja homossexual declarado (tipo o Clodovil) que seja desembargador, ministro ou ocupe um cargo dessa natureza. Alguém já se perguntou porquê? Precisa ter um “perfil” para atingir os altos graus da magistratura? E para ser governador do Estado ou presidente? Enfim, tudo caminha para a polêmica, para a lacração. Esse é o problema. Se perde a oportunidade de discutir o tema e já se parte para guerra e os erros deixam de ser fonte de aprendizado.
A mulher adúltera
O evangelho de João traz um dos mais conhecidos ensinamentos de Jesus Cristo. Pela lei de Moisés e os costumes daquela época a mulher adúltera deveria ser apedrejada. Por ser um ato violento, Jesus foi questionado, ao que, de pronto, respondeu: Aquele dentre vós que estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra. Ao final, restou somente Jesus e a mulher adúltera, quando Jesus então disse: Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou? Respondeu ela: Ninguém, Senhor. Então Jesus lhe disse: Nem eu tampouco te condenarei. Vai, e não peques mais. Se fosse hoje, faltariam pedras.
Horar nossos sentidos
A visão é um dos mais belos sentidos do ser humano. Através das imagens, podemos perceber tudo o que há de mais belo e de mais horrível na natureza. Tudo é uma questão de ponto de vista. Através da visão, podemos aprender e ensinar, errar e acertar. Ao mesmo tempo, é muito triste quando amos a usar nosso maravilhoso sentido para cometer injustiça, julgamentos sumários e danos às vezes irreparáveis. Se ao menos os lacradores não vivessem no pecado, daí poderíamos ter uma sociedade mais justa e evoluída. Desconfio que da forma como vivemos, jamais vamos atingir o equilíbrio. Sem perdão não se constrói nada. Nesse prisma, seria bom que a humanidade perdesse o sentido da visão, vez que não aprendemos a ser como o Cego de Jericó. Narrado no evangelho de Lucas (18:41), Jesus lhe pergunta: Que queres que te faça? E o cego responde: - Senhor, que eu veja!. Pronto! Lacrei.