Deu na manchete da versão digital do ‘The New York Times’ do dia 18 de outubro de 2021: Colin Powell morre aos 84 anos de complicações da Covid-19. A mensagem, que teria como fonte a família do próprio Powell, caminhou no mesmo sentido, tom e construção narrativa tendenciosa da grande imprensa nacional.
Recuando brevemente no tempo e no espaço, é importante destacar que Colin Powell foi um dos mais destacados personagem político e militar mundial do final do século XX e primeira década do século XXI. Foi o primeiro Secretário de Estado negro dos Estados Unidos e, como general quatro estrelas do Exército Americano, exerceu a chefia do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas no governo do presidente George H.W. Bush durante a Guerra do Golfo de 1991, quando as forças lideradas pelos EUA expulsaram as tropas iraquianas do vizinho Kuwait.
Powell, que era um republicano moderado e pragmático, também atuara como conselheiro de Segurança Nacional durante a presidência de Ronald Reagan, que pôs fim a Guerra Fria.
Por ter sido líder de relevo histórico na terra da liberdade, é absolutamente natural e gritante que sua morte corresse o mundo de todas formas e por todas as mídias possíveis. Acontece, no entanto, que o motivo de sua agem, creio, pode – e deve – ser mais bem explicado e aprofundado, por questões de honestidade intelectual e informativa.
Senão, vejamos: embora Powell estivesse, de fato, contaminado pelo vírus proveniente de Wuhan, cidade chinesa onde começou a pandemia de Covid-19, se faz necessário, pelo bem da verdade, acrescentar o fato de que o grande general sofria de Mieloma Múltiplo. O câncer é raro, incurável e mortal. Mesmo assim, pode ser tratada e requer um diagnóstico médico, além de exames laboratoriais e de imagem.
Além disso, até onde se sabe, não foi divulgada qual foi a complicação causada pelo novo coronavírus, nem tampouco se havia recebido a vacina ou alguma dose de reforço.
Aqui mudo o personagem e a época bruscamente.
Faço uso da memória afetiva para recordar a amada avó materna, uma das pessoas mais marcantes que conheci.
Dona Lídia Mandelli deixou muitos bons exemplos subjetivos e ações concretas que perduram até hoje.
Era muito mais que uma simples mulher, era uma entidade conhecida e reconhecida por sua dignidade, bom humor e extrema benevolência - que tangenciava a santidade. Em futuro próximo dedicarei outros escritos à sua vida e obra - certamente mais pacífica e menos notória que a do general em pauta.
Nos meados da década de 1960, a generosa dama, foi vítima de Linfoma de Hodgkin, câncer do sistema imunológico linfático.
A família não poupou esforços ou recursos para confortar e prolongar sua vida. Terminou por falecer no início de 1968, três dias depois de contrair uma gripe.
Morreu como viveu, em paz, no meio dos parentes e amigos. Consumou-se uma perda brutal para nós e também para comunidade.
Seu cortejo fúnebre foi monumental e seu esquife carregado por mãos agradecidas desde a Igreja Matriz até o Cemitério Municipal, em vultuosa procissão que não cedia lugar ao carro funerário.
Obviamente a caridosa viúva de Alcides Mandelli não era possuidora de quatro estrelas militares, embora fosse uma guerreira das causas sociais e respeitada por políticos de todas estirpes. No decorrer de sua enfermidade recebera a visita do ex-governador Ildo Meneghetti, entre outros luminares.
No necrológio, tanto do Correio do Povo, de Breno Caldas, bem como na A Voz da Serra, de Estevão Carraro - ambos amigos do avô -, constava como Causa Mortis, simplesmente, Linfoma. Era, aliás, o mesmo diagnóstico do Atestado de Óbito, preenchido pelo médico da família.
Realmente eram outros tempos, outra moral, princípios e valores.
As pessoas e coisas, sem dúvidas, evoluíram, e junto com elas as mentiras, falsidades e o comprometimento ético de grande parte da imprensa. Evoluiu também o nefasto poder de coação ideológica que não respeita mais nada nos tempos atuais.
Vivia-se e morria-se decentemente, tementes a Deus, no conforto dos afetos domésticos e na segurança da propriedade. A televisão engatinhava, os políticos eram positivamente notados e ainda miravam os olhos dos crédulos eleitores. Doces, românticos e idos tempos que infelizmente não voltam mais.
Aqui, acredito, torna-se necessário um reparo histórico deveras relevante: minha veneranda avó, que era sétima filha de um casal de imigrantes italianos, não teve uma vida fácil. Trabalhou muito, teve filhos e netos, venceu e foi feliz. Ah, eu quase ia esquecendo da importante correção: morreu de gripe. Certo?
Dr. Alcides Mandelli Stumpf
Médico,
Membro da Academia Erechinense de Letras,
Vice-presidente da A.A. da Biblioteca Pública do RS.