Dante Alighieri é considerado o primeiro e maior poeta da língua italiana.
Pouco se sabe sobre sua vida. Filho de uma família de nobres empobrecidos, de grande atuação política, nasceu na cidade de Florença a 25 de maio de 1265. Na infância, ou por ensinamentos franciscanos. Teve ótima educação, estudando Letras, Ciência, Artes e Teologia. Fez parte de sua instrução o Trivium, que compreendia as áreas de gramática, retórica e dialética, além do Quadrivium, com música, astronomia, geometria e aritmética. Supõe-se que por volta 1285 tenha estudado na Universidade de Bolonha. Dante, na verdade, é uma abreviação de seu real nome, Durante. Morreu em Ravena a 14 de setembro de 1321, há exatos 700 anos.
Il sommo poeta - como é chamado pelos italianos - foi muito mais do que literato numa época na qual apenas os escritos em latim eram valorizados e limitados à elite intelectual eclesiástica, responsável pelo longo período histórico entre os séculos V e XV chamado Idade Média ou Idade das Trevas. Sua escrita maior, de viés épico e teológico, La Divina Commedia, é considerada a obra-prima da literatura italiana e um dos auges da literatura mundial.
Concebida em terza rima, com a utilização de tercetos - em que o primeiro verso rima com o terceiro e o segundo com o primeiro do terceto seguinte – compõe uma das maiores obras da história, e apesar da espantosa concisão e lucidez do autor, não é facilmente ível aos leitores modernos.
A Commedia, posteriormente batizada de Divina por Giovanni Boccaccio, se tornou a base da língua italiana oficial, e culmina com a afirmação do modo medieval de entender o mundo. Boccaccio, primeiro grande realista da literatura universal, ainda foi autor de uma das primeiras biografias do mestre supremo, o Trattatello in laude di Dante, também conhecido como Vita di Dante.
Aos doze anos, em 1277, sua família decidiu pelo casamento com Gemma, prática comum à época — tanto no arranjo quanto na idade. O casal teve três filhos: Jacopo, Pietro e Antonia. Antonia tornou-se freira, com o nome de Irmã Beatriz. Como acontece, geralmente, com pessoas famosas, apareceram outros supostos filhos do poeta. Um homem, chamado Giovanni, reclamou a filiação, mas, apesar de ter estado com Dante no exílio, restam dúvidas quanto à pretensão.
Ainda jovem adolescente conheceu Beatrice Portinari. Mesmo que o próprio Dante, a tenha fixado na memória quando a viu pela primeira vez, ele com nove anos e Beatriz, nessa época, com oito. Ao vê-la, escreveu o que seu próprio corpo lhe dissera: “Eis uma divindade mais forte do que eu e que deverá governar minha vida”.
É difícil interpretar no que consistiu essa imensa paixão. Porém, é certo que foi de importância fulcral para a cultura italiana e para Literatura Universal. É sob o signo desse amor que Dante deixou a sua marca profunda no Dolce Stil Nuovo e em toda a poesia lírica italiana, abrindo caminho aos poetas e escritores que lhe seguiram ao desenvolver o tema do amore que, até então, não tinha sido tão intensamente enfatizado.
O amor por Beatriz aparece como a justificativa da poesia e da própria vida, quase se confundindo com as paixões políticas, igualmente importantes para Dante. É Beatriz que lhe mostra o Céu no Paraíso.
Depois da morte de Beatriz, em 1290, Dante procurou refúgio espiritual na filosofia da literatura latina. Leu Boécio e Cícero, largamente citados em sua obra. Seu famoso amor por ela era casto, ideal e platônico. Na Divina Comédia escreveu: Não há tão grande dor / qual da lembrança de um tempo feliz.
A vida política de Dante acarretou-lhe imensos problemas e de forma sumaríssima pode ser resumida da seguinte forma:
Em 1300, Dante estava em San Gimignano, onde preparava a resistência contra intrigas papais. Em 1301, foi enviado como chefe de uma delegação ao Vaticano, com o fim de indagar as intenções do Pontífice.
O papa Bonifácio VIII rapidamente enviou os demais representantes de volta a Florença, retendo apenas o poeta em Roma. Depois de muitos reveses, ordens e contraordens, Dante foi condenado ao exílio por dois anos, além de uma elevada multa em dinheiro, sendo considerado, a partir de então, um proscrito. Não tendo pagado a multa, foi, por consequência, condenado ao exílio perpétuo. Se fosse, entretanto, capturado por soldados florentinos, seria sumariamente executado, queimado vivo.
Por causa de sua fama, não lhe faltaram protetores, e ele ou longos anos entre Verona e Bolonha. Mais tarde, entre idas e vindas, intrigas e traições, o príncipe de Ravenna, convidou-o para aí morar, em 1318. Dante aceitou a generosa oferta. Foi em Ravenna que terminou o "Paraíso". Pouco depois, faleceu, talvez de malária, em 1321, aos 56 anos, sendo sepultado na Igreja de San Pier Maggiore depois chamada Igreja de San sco. Jamais retornou à sua amada Florença.
Entre seus textos encontram-se La vita nuova (1294) dedicado a Beatriz, após sua morte, além De vulgaris eloquentia (1303) e o Convívio (1308) escritos no exílio, nos quais defendia várias causas, como o uso da língua vulgar e o o de todos à literatura. Escreveu em latim De Monarchia, texto utópico no qual sonhava alcançar a justiça no mundo arrebatado pela discórdia.
Sua obra máxima, A Divina Comédia descreve uma viagem através do Inferno, Purgatório, e Paraíso. Cabe ao poeta romano Virgílio, símbolo da razão humana, autor do poema épico Eneida, guiar Dante através do Inferno e do Purgatório. O mesmo Virgílio que séculos antes escrevera a seguinte sentença: Os portões do inferno estão abertos dia e noite, a descida é suave e o caminho, fácil.
Na parte final, ao chegar ao Paraíso, segue pela mão da sua amada Beatriz – símbolo da graça divina – com quem, presumem muitos autores, nunca tenha falado e, apenas visto, talvez, poucas vezes.
Em termos gerais, os leitores preferem a descrição fantástica e psicologicamente contemporânea do Inferno, onde as paixões se agitam de forma angustiante num ambiente cinematográfico. Os outros dois livros, o Purgatório e o Paraíso, já exigem outra abordagem: aparecem subtilezas filosóficas e teológicas em metáforas dificilmente compreensíveis à nossa época.
O Purgatório é considerado, dos três livros, o mais lírico e humano – onde permanecem os poetas, e onde ficou para sempre Virgílio.
O Paraíso, pesadamente teológico, está repleto de visões místicas, raiando o êxtase, onde o poeta tenta descrever aquilo que, confessa, é incapaz de exprimir em palavras. Apresenta-se, portanto, como “poema sagrado" o que demonstra a seriedade do lado teológico e, quiçá, profético, da sua obra. Além do mais, trata-se de uma fantástica alegoria sobre a difícil ascensão do homem ao Céu, postulada com significativo sucesso nos ensinamentos de São Tomás de Aquino.
A partir de então, as crenças populares cristãs assimilaram os conceitos dantescos sobre inferno, purgatório e paraíso. Um exemplo é o fato de cada pecado merecer uma punição distinta no inferno. Assim, a Comédia tornou-se o maior símbolo literário e síntese do pensamento medieval, jamais descrito por qualquer outro autor.
O poema chamava-se "Comédia" não porque se tratasse de uma comédia no sentido atual, engraçado. Mas por razões técnicas, que têm a ver com gêneros, pois termina bem, no Paraíso. Esse era, portanto, o sentido original da palavra Comédia, em contraste com a Tragédia, que terminava, em princípio, mal para os personagens.
Como já dito acima, Dante escreveu a "Comédia" no seu dialeto local. Ao criar um poema de estrutura épica e com propósitos filosóficos, demonstrou que a língua toscana ou língua vulgar – em oposição ao latim, que se considerava como a língua apropriada para discursos mais sérios – era adequada para o mais elevado tipo de expressão, e ao mesmo tempo em que estabelecia o Toscano como dialeto padrão para a língua italiana.
Dante adaptou a forma do épico clássico, com seus múltiplos deuses para expressar uma visão profunda do destino cristão. T.S. Elliot, escritor americano naturalizado inglês, a descreveu como “o ponto mais alto que a poesia já alcançou e jamais conseguirá alcançar”.
Recentemente, o grande médico, mecenas e literato gaúcho Gilberto Schwartsmann, lançou um belíssimo livro intitulado Divina Rima – Um diálogo com a Divina Comédia de Dante Alighieri, igualmente em terza rima. No prefácio da ousada obra – que assegura ao autor um lugar no panteão dos grandes escritores sul-rio-grandenses –, lindamente ilustrada por Zoravia Bettiol, o acadêmico Antônio Carlos Sescchim diz:
“Se Dante narrou uma história, Schwartzman, em detalhes narrou a história dessa história, e outras mais... Como apregoo derradeiro verso da Comédia, o amor move o Sol e as estrelas.”
Aqui, nos resta apenas agradecer ao Pai Eterno e Criador por nos legar, há sete séculos, a experiência literária celestial de Dante, além da generosidade e grandeza de Gilberto nos tempos atuais.
Dr. Alcides Mandelli Stumpf
Médico,
Membro da Academia Erechinense de Letras,
Vice-presidente da A. A. da Biblioteca Pública do RS.