Gostaria de saber quem, em sã consciência, venderia o próprio negócio, detalhe, lucrativo? Ah, por valores, ainda, inferiores ao que realmente vale, sem considerar a sua importância social, econômica e cultural. Essa pergunta não faz sentido para ninguém, seja um leigo no assunto, e muito menos para quem empreende. Já que manter uma empresa na realidade brasileira, torna-la lucrativa, requer esforço diário, muito trabalho que leva uma vida inteira. Não? Agora, por que essa lógica não serve para o patrimônio público brasileiro?
Mas qual é o ponto desta coluna? Vou usar algumas informações do artigo “A tenebrosa transação da Eletrobrás”, do economista, doutor, José Álvaro de Lima Cardoso, e supervisor técnico do escritório regional do Dieese em Santa Catarina, para abordar esse assunto.
Seis vezes menor
O economista explica que após investimentos públicos no setor, a empresa será vendida por valor seis vezes inferior ao seu patrimônio estimado, sem falar que áreas estratégicas – energia e água – sairão do controle do Estado.
E antes de tudo, vou usar o argumento - “primeiro mundo”, para problematizar o assunto. Já que o complexo de vira-lata continua, e o que se faz lá fora é sempre melhor do que aqui.
Outros países
O economista explica que diferente do que ocorre no Brasil, “Estados Unidos, China e Canadá mantêm o domínio do setor elétrico. Nos EUA, a maior parte é controlada publicamente pelo governo federal, em grande parte inclusive pelo próprio exército americano. Naquele país o Corpo de Engenheiros do Exército é o maior operador de energia elétrica, controlando as grandes barragens de John Day, The Dalles e Bonneville. Na China, a estatal Three Gorges Corporation controla a maior hidrelétrica do mundo, a Três Gargantas. No Canadá, o setor é controlado por companhias dos governos provinciais, semelhantes aos governos estaduais brasileiros”.
Controle
“Ter um sistema internacionalizado neste complexo setor de energia elétrica representa um tremendo problema para o país. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica, que regula o setor), para fiscalizar todo esse sistema continental, tem 300 funcionários (se ainda os tiver). Só a Agência Reguladora do Setor Elétrico dos EUA tem 1.500 funcionários e cada estado do país tem uma agência do setor elétrico”.
Sem investir
“As empresas que comprarem a Eletrobrás não construirão nada e nem deverão contratar ninguém. Pelo contrário, pegarão o patrimônio enxuto e com investimentos feitos anteriormente como sempre ocorre nas privatizações. Na conversão de empresa estatal para privada, o aumento automático da tarifa entra limpo nos seus caixas, puro lucro”.
Muitos investimentos públicos
Ele ressalta que o governo vai realizar a privatização da Eletrobrás após uma série de investimentos públicos no setor. “Provavelmente, muitos dos investimentos que foram feitos em estações e linhas vão aparecer pós-privatização como se fosse uma grande obra do setor privado. Esse é um aspecto simplesmente inacreditável da privatização no Brasil”.
Para fora do Brasil
“Ao lado dos bancos, as empresas de energia foram as que obtiveram mais lucros em anos anteriores. E, por serem, em sua maioria, estrangeiras, todo o lucro é remetido ao país de origem das empresas sem ser reinvestido no Brasil. Nosso grande potencial hídrico cobra tarifas muito altas e drena todo esse lucro para fora do país”.
Eletrobrás
“A Eletrobras tem 47 usinas hidrelétricas responsáveis por 52% de toda a água armazenada no Brasil e 70% dessa água são utilizados na irrigação da agricultura”
Demissões
“A privatização da Eletrobras, além de provocar demissões no próprio grupo, vai impactar também os empregos de trabalhadores de outras áreas (por exemplo, turismo)”.
Aumento de preço
“Onde acontece a privatização de empresa pública de energia elétrica, é garantido que vem o aumento de preços. O consumidor não vai ter alternativa, e sem garantias de uma prestação de serviço de qualidade, sem garantia de investimentos das empresas privadas, haverá apagões energéticos no futuro”.
De “graça”
“Como se tudo isso fosse pouco, o governo espera arrecadar com a venda da Eletrobrás, holding que detém o controle acionário das estatais federais de energia elétrica, algo em torno de R$ 60 bilhões. Estimativas confiáveis avaliam o patrimônio da empresa em quase R$ 400 bilhões. Somente em 2018, 2019 e 2020 gerou lucros líquidos de R$ 31 bilhões, mais da metade do valor que o governo estima arrecadar com a privatização”.
Dívida pública
E aqui não posso deixar de lembrar que, em 2020, os gastos com a dívida pública atingiram R$ 1,381 trilhão, 39% do orçamento federal, segundo a Auditoria Cidadã. Isto é, mais de 20 vezes o que se pretende arrecadar com a venda da Eletrobrás. E isso não é um problema.
Resumo
Alguns dirão, mas essa é a opinião dele. Sim, com dados. Então, que se submeta a venda da Eletrobrás – importante patrimônio público - a todos os especialistas em energia e economistas da área do país. Ou, quem sabe, se deva seguir o exemplo das duas maiores economias do mundo, EUA e China? Ah, não servem também, né. O que afinal importa?