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O Sapateiro de Bruxelas e o Voo de Ícaro 3y3y4j

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Ele e Ícaro então, sairiam voando da prisão como apenas pássaros e deuses ousavam fazer até então. U
Por Alcides Mandelli Stumpf
Foto Ilustrativa

O Sapateiro de Bruxelas é um irador da Grécia Antiga e sua fantástica mitologia. Sempre que surge oportunidade, usa do conjunto dos mitos daquele povo para entreter o pessoal do cafezinho. Conta histórias atuais ou adaptáveis às circunstâncias, embora afirme com a mesma peremptoriedade de sempre, que nada do que diz tem a ver com fatos reais e tudo é fruto do acaso ou mera coincidência – tal como as séries de TV.

Diz o velho belga, com brilho no olhar, que planando sobre Creta com asas de cera e penas, Ícaro, filho de Dédalo, desafiou as leis do homem e da natureza e, ignorando os avisos de seu pai, subiu cada vez mais, desafiando os limites do céu e do Sol.

Para as testemunhas, pessoas comuns que se encontravam em solo, ele parecia um deus e, enquanto olhava para baixo, também tinha certeza que era um deus e sentia-se como tal. Porém, na mitológica Grécia Antiga, muito diferente da mitologia atual, a linha que separava homens e deuses era intransponível e a punição aos reles mortais que tentassem cruzá-la era severa e definitiva. Aqui o calçadista divaga e sem mais nem menos inicia a falar dos ministros do STF e outros áulicos republicanos. Delicadamente, solicitamos que voltasse ao tema da narrativa inicial. Meio a contragosto, o artífice se desculpa e retorna à amável conversa.

Explica que anos antes do nascimento de Ícaro, Dédalo, seu pai, era considerado brilhante inventor, artesão e escultor em Atenas, sua terra natal. Atribuía-se a ele a invenção da carpintaria e as ferramentas necessárias à sua execução. Deveras criativo, projetou a primeira casa de banho e a primeira pista de dança que se tem notícia. Produziu esculturas tão fiéis que Hércules as confundiu com homens reais. Poderíamos dizer que era uma espécie de Leonardo da Vinci ou Bill Gates mitológico.

Apesar de hábil e famoso no mundo grego e adjacências, Dédalo - como todo o gênio que se preza – era extremamente arrogante, egoísta e invejoso. Preocupado com o rápido sucesso de seu sobrinho, e com medo que esse o suplantasse e fosse mais habilidoso, Dédalo, incontinente e sem avaliar as consequências, simplesmente matou o promissor aprendiz.

De qualquer forma, como ainda acontece com os notáveis cortesões de hoje, depois de julgado mansa e suavemente em diversas instâncias inferiores, médias e superiores, obteve uma pena branda pelo tresloucado ato. Alguns magistrados na ocasião, inclusive, tentaram anular o julgamento, pois alegavam no caso de nobre matar sobrinho, tratava-se apenas e simplesmente de nepotismo, coisa simples e de família, diziam eles. Nada de mais.

Vai e vem, depois de cursos e recursos interpostos pela defesa do paciente (que àquela altura já estava um tanto impaciente), Dédalo, como punição, foi gentilmente banido de Atenas e solenemente deportado para Creta, uma belíssima ilha situada ao sul do mar Egeu.

Precedido por sua notável reputação, o criativo inventor foi recebido com pompas, glórias, fanfarras e de braços abertos pelo rei Minos e sua esplendorosa corte e demais puxa-sacos de praxe e da época.

Logo, logo foi nomeado ministro e atuava como conselheiro técnico do palácio. Assim, Dédalo continuou ampliando sua influência, seus horizontes e seus limites quase ilimitados. Para os filhos do rei, ele fez brinquedos animados que pareciam estar vivos; criou a vela e o mastro, que permitiram ao homem controlar o vento. Enfim, desafiou as limitações humanas que separavam mortais e deuses, até que finalmente ultraou todas as recomendações e convenções.

O Sapateiro solicita aos parceiros de cafezinho especial atenção ao tamanho da enrascada que Dédalo entrou. E prontamente explica em detalhes:

Pasífae, esposa do rei Minos, foi amaldiçoada pelo deus Posídon a apaixonar-se pelo formoso touro do rei. Isso mesmo, senhoras e senhores, um touro, de carne osso e chifres: completinho em cada reentrância e apêndice.

A rainha totalmente enfeitiçada e fora de si, pediu a Dédalo para ajudá-la a seduzir o valioso animal. Com a audácia característica dos superdotados, ele não pestanejou, e esculpiu na madeira uma vaca totalmente oca; obra de arte tão realista que enganou facilmente o incauto e fogoso animal real. Não deu outra: Pasífae, escondida dentro da vaca, concebeu e deu à luz ao Minotauro, seu filho, meio homem e meio touro.

Obviamente, isso enfureceu o rei que culpou o engenhoso palaciano pelos adornos cefálicos adquiridos mediante a traição animalesca, e por participar diretamente de tamanha perversão às leis da natureza e da prudência.

Dessa vez a punição foi bem mais forte - explica o coureiro -, e Dédalo foi intimado a criar um complexo labirinto abaixo do castelo de Minos para esconder o monstruoso Minotauro. Concluído o labirinto, o rei aprisionou Dédalo e seu único filho, Ícaro, no topo da mais alta torre de Creta, onde, em princípio, eles ariam o resto de suas vidas.

Mas Dédalo seguia sendo um incorrigível inventor. Ao observar os pássaros que circundavam a prisão, o método de fuga tornou-se claro em sua mente tão privilegiada quanto marota e fantasiosa.

Ele e Ícaro então, sairiam voando da prisão como apenas pássaros e deuses ousavam fazer até então. Usando penas das aves que se empoleiravam na torre, e cera de velas e de abelhas, Dédalo construiu dois enormes pares de asas. Ao amarrar as asas em seu filho, deu-lhe um sábio conselho: voar muito perto do oceano umedeceria as asas e as tornaria muito pesadas; voar muito perto do Sol aqueceria a cera e dissolveria as asas. Em ambos os casos, eles certamente morreriam. Portanto, a chave para o bom êxito da fuga familiar seria permanecer a uma altura razoável, nem lá nem cá.

Com as instruções claras e coordenadas aferidas, ambos decolaram da torre e se transformaram nos primeiros mortais a voar. O pai, macaco-velho e experiente nas adversidades da vida, permaneceu em altura adequada; já o filho, jovem e pouco sensato, impressionado pelo êxtase de voar e dominado pela sensação de poder divino ou a flutuar cada vez mais alto.

Dédalo assistia horrorizado, enquanto Ícaro subia mais e mais. Impotente para mudar o terrível destino de seu filho coube-lhe presenciar a tragédia do calor do Sol derreter a cera das asas e Ícaro despencar mortalmente do céu.

Tal como Dédalo - que diversas vezes ignorou as consequências de desafiar as leis naturais dos mortais a serviço de seu ego empedernido -, Ícaro também foi atingido por sua insolência e mau exemplo paterno.

O certo é que no fim ambos pagaram caro por suas indiferenças aos caminhos da moderação e da humildade: Ícaro com sua vida e Dédalo com seu arrependimento e remorso eterno.

Aqui, o sábio belga conclui que por mimos exagerados, expectativas enganadoras, falso moralismo ou mau-caratismo mesmo, muitos pais, padrinhos ou caciques acabam por oportunizar e presenciar o derradeiro voo de seus filhotes ou apaniguados sem nada poder fazer. Absolutamente nada.

Com algum ar professoral e fumos de fidalgo, conclui o Sapateiro de Bruxelas: a incapacidade da velhice, por falta de força e energia, se dobra aos arroubos da juventude; suas palavras não encontram eco na afoiteza exorbitante dos imberbes. Esta por sua vez, espelha, expande e multiplica a conduta inconsistente e pecaminosa do preceptor. Criatura e criador frequentemente sucumbem juntos ao final. Os sonhos bem como os domínios das pessoas, também têm limites. E o fruto nunca cai longe do pé.

 

Médico e membro da Academia Erechinense de Letras

 

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