Povo que não tem virtude acaba por ser escravo - trecho do Hino Riograndense
A mais antiga instituição cultural do Rio Grande do Sul, a Biblioteca Pública do Estado, fundada em 1871, completou 150 anos na quarta-feira, dia 14 de abril. Na condição de vice-presidente da Associação de Amigos da Biblioteca, aceitando convite do presidente da entidade, o querido amigo e colega médico Gilberto Schwartsmann, participei do belíssimo evento festivo alusivo à data.
Por obra do destino, me coube coordenar parte dos debates realizados por meio digital, que reuniram desde o governador do Estado, Eduardo Leite, a imortais da Academia Brasileira e Rio-Grandense de Letras. Sem dúvida, para mim, uma honra inesperada e um momento de enlevo e alegria.
Estávamos todos no Salão Mourisco, em espírito - como bem enalteceu o professor Alcy Cheuiche, - para reforçar a importância da sesquicentenária instituição, que carrega em sua trajetória significados, marcas, rugas e até cicatrizes, deixadas pelo ar dos anos, porém, ora em franca recuperação, sob a condução dedicada e competente da diretora Morgana Marcon.
De modo digital e não corpóreo, mais do que a celebração da existência física da Biblioteca Pública do Estado, celebrávamos o que ela de fato representa: a exaltação da liberdade do pensamento humano.
Muito bem falou a Secretária de Cultura do RS, Beatriz Araújo, ao afirmar que a biblioteca é um “remédio para a alma”, repositório de conhecimento de geração para geração, oferecendo aos cidadãos sabedoria e a cura da ignorância, capaz de curar, também, outras enfermidades da alma, do corpo e do coração. Quem lê, sabe muito bem do que estamos falando.
Acima de tudo, quem lê – seja manuseando deliciosamente o livro de papel, captando a textura e o cheiro de cada página, ou dedilhando as obras virtuais dos e-books da contemporaneidade - se permite ser livre e ter novas ideias, talvez, a arma mais poderosa e valiosa de todas para nossa proteção.
As sociedades ou civilizações não sucumbem ou se extinguem por guerras ou catástrofes; elas declinam ou desaparecem quando há o predomínio das trevas da ignorância, que por serem trevas não escolhem cor ou lado.
O pensamento livre, por sua vez, aparece na Grécia Antiga, eia em Roma, descansa na Idade Média, volta a luzir durante o Renascimento, e triunfa no século XVIII com o Iluminismo e a revolução sa.
O livre pensar é missão de todos aqueles que se recusam a aceitar verdades impostas e se levantam para dizer não ao obscurantismo tosco ou a opressão astuta e falaciosa.
Justamente por isso, é preciso que sempre voltemos nossos olhares e atenções a espaços que se dedicam à cultura e ao exercício do saber. A Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, um lindíssimo prédio de arquitetura eclética, com ares ses, típica do Positivismo riograndense, encontra-se na esquina da rua Riachuelo com rua General Câmara, no coração cívico e cultural do Estado, próxima ao Palácio da Justiça, Theatro São Pedro, Palácio Farroupilha, Palácio Piratini, Catedral Metropolitana e Praça da Matriz de Porto Alegre.
ear pelos seus corredores, que acolhem mais de duzentos e cinquenta mil livros, entre os quais um exemplar de a Divina Comédia, de Dante Alighieri do século XVII e tantas outras obras primas da humanidade, além dos magníficos salões mourisco e egípcio, é comprovar que Jorge Luis Borges, grande escritor argentino, estava certo ao afirmar que as bibliotecas seriam uma espécie de paraíso terrestre.
Paraíso que, no entanto, para sua conservação e sustentabilidade deve cativar o leitor moderno, se reinventando e sensibilizando as pessoas comuns como nós, os empresários e governantes, de forma a todos entenderem que são necessários recursos e investimentos contínuos para perpetuar a cultura e a educação da nossa gente. Uma biblioteca é um organismo em crescimento – afirmava Ramamrita Ranganathan, célebre matemático e bibliotecário indiano.
Em tempos de incertezas, especialmente em meio à pandemia que segue castigando a humanidade, as catedrais do saber - nossas bibliotecas, em novos ou velhos formatos de atendimento - são, sem dúvida, portos seguros, referências, bússolas ou faróis capazes de iluminar ado, garantir o presente e apontar o futuro, pois nas bibliotecas circula o espírito do mundo. Do mundo que temos todos a obrigação de fazer cada dia mais livre.
Se tiveres uma biblioteca com jardim, terás tudo – disse Cícero, o grande tribuno romano. E nós gaúchos a temos.
Vida Longa à Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul.
PS: endereço para o à integralidade do evento 150 Anos da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul:
https://www.youtube.com/watch?v=kZGdnDR-FC4
Médico e Membro da Academia Erechinense de Letras