O Sapateiro de Bruxelas tem especial predileção e curiosidade infinda sobre a antiquíssima cidade grega de Delfos, situada nas encostas do monte Parnaso.
Segundo ele, considerada o “umbigo do mundo”, Delfos recebeu esta alcunha graças ao mito que narra a busca de Zeus, suprema de idade mitológica da Grécia antiga, ao ponto médio ou central do mundo.
Conta o velho belga, que no intuito de delimitar tão singular ponto geográfico, Zeus enviou duas águias de extremos opostos da Terra – que à época, era entendida como plana.
As aves, em polos opostos, voando uma em direção à outra se encontraram em Delfos, designando, portanto, a cidade, como centro do mundo ou umbigo da Terra. Ali construíram um templo, local sagrado, deveras estimado por aqueles que procuravam por auxílio, força e segurança.
Assim, o exato ponto de encontro das águias foi demarcado com uma pedra de formato oval, o ônfalo, que em grego, significa umbigo – elucida o coureiro.
Diz ainda o mestre, que segundo fontes imemoriais, o corpo de certo dragão-fêmea chamado Python estaria em intensa e eterna decomposição na caverna em que Apolo a teria matado.
Esta caverna – observem a curiosidade - estaria localizada exatamente abaixo do templo de Delfos.
Também - explica o velho sábio - havia Pítia, sacerdotisa que dava voz ao Oráculo de Delfos, no templo de Apolo. Tal status lhe atribuía uma importância pouco comum para uma mulher no mundo dominado pelos homens da Grécia Antiga.
Gases alucinantes, resultantes da mítica decomposição, eram emitidos e escapavam do subsolo por fissuras terrestres. Investigações geológicas recentes mostram que as emissões vindas de uma fenda geológica no solo local poderiam estar relacionadas aos fenômenos ali ocorridos; alguns pesquisadores sugeriram a possibilidade de que o gás etileno causasse o estado de “inspiração” de Pítia. Outros argumentaram que os vapores expelidos poderiam ser de metano, ou Gás Carbônico e sulfeto de hidrogênio, e que a fenda em si seria resultado de uma ruptura sísmica.
Tais emanações desencadeavam estranhas sensações visuais e auditivas à Pítia, que em transe profundo, atuava como porta-voz do Deus-Sol, Apolo, o qual, através da sua Suprema Sacerdotisa, supostamente – como dizem os telejornais atuais - transmitia as vontades de seu pai, Zeus ocorriam então fantásticas previsões, de variável utilidade aos consulentes e seus periféricos.
Um ponto de vista comum entre todas as partes afirmava que a Pítia apresentava premonições durante um estado de frenesi causado por vapores que subiam à fenda, e que falava coisas aparentemente sem sentido que eram reconsideradas pelos sacerdotes de plantão como misteriosas profecias, marcadamente preservadas na literatura grega.
O Oráculo de Delfos, como fonte de informações sobre acontecimentos futuros, é melhor entendido se considerarmos a concepção religiosa dos gregos, que viam as divindades como portadoras de grande sabedoria. Eles acreditavam que ao exercer o importante papel de ligação entre os deuses e a humanidade, Pítia assumia uma enorme influência, com poderes para instigar políticas governamentais, determinar o local de construção de cidades e até mesmo iniciar ou pôr fim a guerras.
O Sapateiro afirma, com a devida ênfase, que foi graças ao Oráculo que diversos incidentes aconteceram ou deixaram de acontecer, construindo a História como é conhecida.
Assim, o oráculo, sendo um receptor dos deuses e da inteligência destes, era considerado a própria divindade e, dessa forma, inquestionável. Funcionava como uma espécie de STF da época, sem querer ferir qualquer um dos deuses atuais ou pretéritos – afirma o artífice.
Através dos séculos, as Pítias provaram ser extremamente confiáveis em suas previsões e amealharam fama como oráculos não só no mundo grego, mas, também, junto a todos os povos do mundo mediterrâneo, incluindo Romanos e Egípcios, os quais frequentemente as consultavam – afirma o mestre belga.
O auge da importância do Oráculo aconteceu entre os séculos VI e IV a.C. Nesse período ele influenciou diretamente a política da Grécia Antiga através das consultas que grandes líderes realizavam a ele. As respostas dadas – que não raro eram enigmáticas – aconselhavam na tomada de grandiosas decisões.
A decadência se deu paralelamente ao declínio da autonomia política das polis, no período helenístico. Com a conquista dos macedônios, o santuário foi perdendo, aos poucos, a sua importância. Além disso, por conta de ameaças de invasões e guerras, a cidade de Delfos foi sendo evacuada. Contudo, foi principalmente com a chegada dos romanos que a importância do Oráculo decaiu completamente. Os líderes romanos não tinham interesse em consultá-lo – ao contrário dos reis macedônicos Felipe II e Alexandre, que chegaram a visitá-lo, - já que praticavam a interpretação de sinais e profecias.
Por fim, o artesão lembra que o oráculo délfico foi fundado no século VIII a.C., e sua última resposta registrada ocorreu em 393 d.C., quando o imperador romano Teodósio ordenou que os templos pagãos encerrassem suas operações. Até então o oráculo de Delfos era tido como um dos mais prestigiosos e fiáveis oráculos do mundo grego.
Isto posto, em meio à tamanha balbúrdia e baboseiras protagonizadas pela insana polarização política envolvendo a pandemia Covid-19, o Sapateiro pensa em reativar o Oráculo, ora em solo pátrio.
Pensa seriamente recomendar ao Poder Executivo local que, sob a aquiescência do Legislativo, e sem qualquer óbice do Judiciário, coloque um colossal ovo sobre a parte mais alta do chafariz que adorna o centro de nossa cidade, de modo a demarcar o umbigo da urbe e talvez do mundo atual.
Tal referencial, inédito no hemisfério sul, acolheria os ansiosos cidadãos locais e alhures que buscam respostas às perguntas não respondidas pelas autoridades e pela grande imprensa – que nesta altura da pandemia mais fazem apavorar as pessoas e atrapalhar o bom andamento das coisas.
As indagações populares e impopulares seriam rebatidas pelos conhecidos palpiteiros de sempre de ambos os lados, sem qualquer novidade, no entanto, com divino aval apolíneo.
O Sapateiro não sabe se dessa iniciativa advirá qualquer efeito positivo ou benéfico a quem quer que seja. No entanto, tem certeza que tal iniciativa ovípara tornaria nossa cidade ainda mais célebre e conhecida no cenário nacional e quiçá internacional.
Ao encerrar, o debochado bruxelense afirma que, certamente não pioraremos em nada a situação atual da tão combalida humanidade contemporânea. Muito antes ao contrário: todos ficariam mais alegres.
Médico e Membro da Academia Erechinense de Letras